A 5 de março de 1887, nascia Heitor Villa-Lobos, na Rua Ipiranga, bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, em um momento decisivo na história do Brasil. Ele tinha apenas dois anos de idade quando a República foi proclamada, em 1989. O país diz adeus à Europa, mas continua a reverenciar a sua música clássica. Na casa dos Villa-Lobos, todos os sábados, nomes respeitados da época reuniam-se para tocar até altas horas da madrugada. Esse hábito, que durou anos, influiu decisivamente na formação musical de Villa-Lobos que, logo cedo, iniciou-se na música. Aos seis anos de idade, aprendeu a tocar violoncelo com o pai, em uma viola especialmente adaptada.

Na nova capital, Rio de Janeiro, o Brasil está em busca de sua própria identidade. Na política, na cultura, mas sobretudo nos mercados e festivais, muita coisa está mudando. A música popular surge nas ruas, nos bares e cafés, na esquina. Era uma expressão do choque de duas fortes correntes musicais, a música clássica que havia sido imposta ao Brasil colonial pela Europa, e uma corrente que estava sujeita a fortes influências africanas. Estes vastos mundos se fundiram, dando origem ao novo estilo musical do Choro no início do século XX.

Os primeiros conjuntos de Choro surgiram por volta de 1870, na cidade do Rio de Janeiro. Eram pequenos grupos de músicos, formados por pessoas simples e modestas e funcionários públicos que moravam nos subúrbios cariocas que, frequentemente, apresentavam-se em festas residenciais e, até mesmo, em comemorações religiosas. A composição instrumental desses primeiros grupos incluía a flauta executando a melodia, o violão e o cavaquinho harmonizando ritmicamente.

Havia, porém, um problema: o violão era considerado o instrumento de vagabundos e pequenos bandidos, e chegou até a ser proibido tocá-lo. Villa-Lobos só deu início aos seus estudos do violão após a morte de seu pai, já que este não levava o instrumento a sério, e só descobriu o choro quando passou a frequentar o cenário artístico do Rio de Janeiro, onde acabou conhecendo diversos músicos. Em contato com grupos de choro, ele aprendeu a tocar outros instrumentos populares, como o cavaquinho e o pandeiro. Muitos anos mais tarde, em 1920, ele compôs a peça de violão Choro No. 1 como uma homenagem à mais pura forma de choro.

Ele rapidamente percebeu que como compositor na Europa, ainda com a estética europeia, ele seria apenas um entre muitos vindos de um país exótico tentando ganhar uma posição na Europa. Ele percebeu que tinha que se concentrar no que ele de fato conhecia: a música de seu povo e de seu país.

O jovem compositor decide então participar da construção de uma identidade nacional, e para isso ele se propõe a explorar o Brasil como um espaço sonoro, e mergulha na floresta amazônica em busca de inspiração.  Na região amazônica, você pode ouvir de tudo, principalmente canções sedutoras de diversos pássaros, mas um lhe fascinou em especial, o canto do Uirapuru, que é absolutamente único. Diz-se que todos na floresta ficam em silêncio quando ele está por perto para escutá-lo.

Em 1917, Villa-Lobos compôs um de seus maiores poemas sinfônicos chamado Uirapuru, em homenagem ao pássaro do canto celestial. É um hino de amor no qual esta ave com o canto cativante se transforma por um curto período em um belo jovem. Villa-Lobos descreve a magia do Uirapuru e a flauta interpreta este maravilhoso motivo ao dar vida ao canto do pássaro. A partir desta obra ele se afasta das diretrizes do estilo europeu.

Na década de 1920, o compositor vai a Paris para executar suas obras em toda a Europa. Para o mundo ocidental, ele é um compositor muito especial que representa a imagem sonora do Brasil. Villa-Lobos retorna ao Rio de Janeiro em 1930 com 43 anos, e neste período a república brasileira é derrubada e o futuro ditador Getúlio Vargas introduz um governo de transição. A maioria dos intelectuais da época se une a ele com o intuito de construir uma nação unida pela educação.

Villa-Lobos sente que este era o ideal para ajudar na construção da identidade brasileira, embora como compositor nunca se tenha alinhado politicamente a ninguém. Seu maior interesse era que a música brasileira finalmente recebesse a atenção que merecia. A educação musical de todo seu país se torna sua missão de vida. Ele quer tornar a música de destaque acessível aos cidadãos. Villa-Lobos reuniu grandes músicos e os treinou para que eles pudessem então ensinar uma segunda geração de professores de música, e assim por diante.

Aos pés do Pão de Açúcar, ele dirigiu seu próprio conservatório no bairro da Urca, e conseguiu que o Distrito Federal tornasse obrigatórias as aulas de música em todas as escolas. Durante este período, movido pelo espírito nacional de otimismo e o desejo de tornar a música o mais universal possível, Villa-Lobos compôs sua obra prima, a série Bachianas Brasileiras. O nome Bachianas é homenagem ao compositor Johann Sebastian Bach, cuja música era considerada por Villa-Lobos como universal, já que nela encontra-se todo o sistema tonal da música ocidental.

No ciclo Bachianas Brasileiras, ele faz uso dessas formas de expressão, mas lhes confere um caráter nacional, criando assim uma simbiose entre o universal e o local. As Bachianas Brasileiras, são a obra mais conhecida do compositor e têm um lugar permanente no Olimpo da música clássica. A Bachiana No. 5 é o melhor exemplo desta simbiose. No primeiro movimento, a Aria-Cantilena, há um conjunto de 8 violoncelos e um soprano. Os violoncelos tocam um pizzicato e como isso acabam imitando os violões de choro.

Com seu carisma e com seu insaciável desejo de capturar o Brasil musicalmente, Heitor Villa-Lobos tornou-se o compositor clássico mais importante do Brasil ao recusar o cânone clássico e absorver os sons e ritmos de seu país para reproduzi-los em versões orquestrais únicas, com um estilo que espelha o poder criativo do Brasil e de seus habitantes. Villa-Lobos é, certamente, um dos tesouros nacionais que nunca deve ser esquecido. Sua música eleva o universo musical brasileiro a um nível de genialidade e originalidade que enriquece nossa identidade nacional.

Por: Gustavo Guimarães