É interessante observar que em várias circunstâncias, essa religiosidade cotidiana mistura-se profusamente a festividades pagãs. O maior exemplo disso é o carnaval. Em 2020, as Escolas de Samba do Rio de Janeiro não economizaram nas referências à religiosidade brasileira. Um dos desfiles mais elogiados foi o da Mangueira, que levou a Marquês de Sapucaí a refletir sobre como seria a vida de Jesus Cristo se ele nascesse nos dias de hoje, negro, numa comunidade carioca. Luxuosa e exuberante, a Mangueira colocou sob os holofotes diversos problemas sociais do Brasil contemporâneo, como o extermínio da população negra e periférica, a intolerância, o charlatanismo e o populismo religiosos. Um dos versos do samba enredo faz alusão ao presidente Jair Bolsonaro, cujo segundo nome “Messias” teve como marca de sua campanha eleitoral um gesto de arma com as mãos.

Bolsonaro foi eleito com amplo apoio dos evangélicos, embora sua postura não condiga com valores cristãos fundamentais. Os evangélicos, por sua vez, são representados no congresso pela Bancada da Bíblia, que, junto com as Bancadas do Boi (Agropecuária) e da Bala (Militares) formam a ala conservadora do Poder Legislativo. A Bancada da Bíblia é composta por pastores de igrejas evangélicas, responsáveis por uma lucrativa indústria da fé, que envolve rádio, televisão, gigantescos templos e muito dinheiro. A ascensão dos evangélicos no tabuleiro político brasileiro reflete uma mudança no perfil religioso da população que tem migrado da Igreja Católica para igrejas evangélicas e neopentecostais.

A atuação da ala evangélica no governo é alvo de crítica e sarcasmo em programas de humor. O comediante Gustavo Mendes, por exemplo, faz uma sátira à ministra evangélica Damares Alves e suas declarações estapafúrdias. Já o grupo humorístico Porta dos Fundos foi alvo de uma grande polêmica, e até de um atentado a bomba, devido a um especial satírico sobre a vida de Jesus. Cultura inútil: na Internet circula uma paródia de “This is the Rhythm of the Night”, hit da cantora Corona nos anos 90, entitulada “Jesus expulsa o Satanás”. Por associação, lembremos do hit carnavalesco “Na casa do senhor, não existe satanás” eternizado pela banda Chiclete com Banana.

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